Programa

Ementa
Esse curso tem como objetivo apresentar um romance emblemático da cultura moderna – Frankenstein, ou o Prometeu moderno (1818), de Mary Shelley – no intuito não somente de explorar o projeto e a formação, que esse texto carrega, mas também de examinar um dos impasses culturais que ele tematiza e que permanecem até hoje em dia. Isso significa que além da análise textual, estrutural e sócio-histórica do livro, investigaremos como as questões, a um só tempo estéticas e políticas, que o animaram, persistem na contemporaneidade, principalmente nos debates acerca do papel da metafísica religiosa e da ação política diante da passagem da manufatura para a grande indústria e da última revolução científico-tecnológica, isto é, da robótica e da inteligência virtual sob um equilíbrio atômico e a lei da queda tendencial da taxa de lucros.

Programa
Ponto 1: Mito e verdade, tragédia e romance
1.1. “Magia e técnica, Arte e política”; “Magia e religião, e materialismo contra idealismo”;
1.2. Modo de produção geral, modo de produção literário, ideologia geral, ideologia autorial e ideologia estética – “Categorias para uma crítica materialista” (1976) em Criticism and ideology, de T. Eagleton;
1.3. O mito prometeico na Teogonia (circa séculos VIII-VII a.C.), de Hesíodo;
1.4. Tragédia e romance: a agonia da memória e o desenvolvimento da escrita, ou, do aedo ao tragediógrafo e desse ao romancista;
1.5. Revelação, profetas, milagres e escritura sagrada: o mito da criação, formação e queda do homem do paraíso por sucumbir ao pecado da árvore do conhecimento (“Gênesis”, versículos 1-3, Bíblia de Jerusalém);
1.6. O profeta como historiador – aquele que no instante de perigo não olha para o futuro, mas sim para o passado – teologia materialista: “Sobre o conceito da História” (1940), de W. Benjamin.

Ponto 2: Romantismo inglês
2.1. Revoluções científico-tecnológicas e o mal-estar na civilização;
2.2. “Formações econômicas pré-capitalistas” em Grundrisse (1857-1858), de K. Marx;
2.3. “O feudalismo e o estilo românico” e “O romantismo da cavalaria cristã” (1953) em História social da arte e da literatura, de A. Hauser;
2.4. “O dualismo da arte gótica” e “Arte de classe média do gótico tardio” (1953) em História social da arte e da literatura, de A. Hauser;
2.5. “A relação do romantismo com o liberalismo e a reação” (1953) em História social da arte e da literatura, de A. Hauser e “O artista romântico” (1958) em Cultura e sociedade: 1780-1950, de R. Williams;
2.6. A ficção gótica inglesa – a regressão ao gótico – o revival do gótico;
2.7. Revolução melancólica.

Ponto 3: Ideologia geral, ideologia autorial, ideologia estética
3.1. Ludismo romântico, anarcoprimitivismo, milenarismo, messianismo e revolução – A busca do milênio: milenaristas revolucionários e anarquistas místicos da Idade Média (1957), de Norman Cohn;
3.2. Consolidação dos profissionais liberais, a “intelligentsia pequeno burguesa emergente”, os reformadores sociais e suas ilusões de então e de agora – radicalismos – “A ficção da reforma” (1977) em Writing in society e “A fração de Bloomsbury” (1980) em Cultura e materialismo, de R. Williams;
3.3. O nascimento da estética como um discurso burguês sobre o corpo – A ideologia da estética (1990), de T. Eagleton;
3.4. Os efeitos da Revolução Francesa na Inglaterra e a reação vitoriosa contra eles; mentalidade radical e mentalidade conservadora;
3.5. Mentalidade revolucionária jacobina – Terror e tragédia: Morte de Danton (1835), de G. Büchner – Napoleão – restauração;
3.6. Socialismo utópico e socialismo científico – Manifesto do partido comunista (1848), de K. Marx e F. Engels.

Ponto 4: Frankenstein, ou o Prometeu moderno (1818), de Mary Shelley
4.1. Panorama dos elementos constitutivos da narrativa: a) enredo, b) narração, c) personagens, d) tempo, e) espaço;
4.2. Materiais: Prometeu acorrentado, de Ésquilo (subtítulo) e Paraíso perdido (1667), de John Milton (epígrafe);
4.3. Estrutura e sentido da obra.

Continuação Ponto 4: Frankenstein, ou o Prometeu moderno (1818), de Mary Shelley
Volume 1
a) Introdução da autora – associação de elementos autobiográficos à narrativa de ficção;
b) Cartas: forma epistolar, empresa e fortuna; formação (cultivation e bildung) do indivíduo como busca por sentido (purpose) e conhecimento (knowledge);
c) Capítulos iniciais: individuação do herói (principium individuationis)
d) Suspense: o inquietante, o estranho-familiar, a inquietante estranheza (strangerm, uncanny e unheimlich).

Continuação Ponto 4: Frankenstein, ou o Prometeu moderno (1818), de Mary Shelley
Volume 2
a) Revelação e confissão;
b) O herói do romance e a sua psicologia demoníaca;
c) “A cura pela fala”, ou, o relato como expiação da culpa.

Continuação Ponto 4: Frankenstein, ou o Prometeu moderno (1818), de Mary Shelley
Volume 3
a) monólogo da alma dilacerada e conexão direta entre o crente e o sagrado;
b) Novo pacto com um crescente público leitor;
c) supernatural e irracional como vazão do pavor diante dos movimentos democrático-populares modernos e do advento da grande indústria na era da restauração.
d) “Divisão do trabalho e manufatura” e “Maquinaria e grande indústria” em O capital, livro I (1864), de K. Marx.

Ponto 5: O mito de Prometeu para os jovens Karl Marx e Friedrich Nietzsche
5.1. Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro (1841), de K. Marx;
5.2. Autoconsciência subjetiva;
5.3. Alienação religiosa e liberdade;
5.4. O nascimento da tragédia (1872), de F. Nietzsche;
5.5. Prefácio para Richard Wagner;
5.6. O mito prometeico e os arianos;
5.7. Ideia sublime do pecado ativo e mito do pecado original semítico;
5.8. O culto da arte, ou, a redenção estética.

Ponto 6: “A ideologia na fase do capitalismo tardio” (1972) em O capitalismo tardio, de Ernest Mandel
6.1. “Lei da queda tendencial da taxa de lucros” em O capital, livro III (1894), de K. Marx;
6.2. Ondas de inovação, choques modernizantes e compressão do tempo-espaço;
6.3. A ideologia conformista: necessidade do esmagamento do ser humano diante do desenvolvimento técnico-científico estranhado.

Ponto 7: O conceito de tecnologia (1973), de Álvaro Vieira Pinto
7.1. O conceito anti-histórico e antissocial de “era tecnológica”;
7.2. O caráter social da cibernética – subdesenvolvimento e propriedade tecnológico-científica.

Ponto 8: “Posfácio de 1979” à Tragédia moderna (1966), de Raymond Williams
8.1. Separação entre teoria do trágico e experiência trágica;
8.2. Tragédia e história, tragédia e revolução;
8.3. A grande capitulação da resignação trágica;
8.4. A incapacidade de estabelecer conexões como uma característica da tragédia moderna;
8.5. A era da distopia: fluxos trágicos de uma classe dominante e de uma ordem política agonizantes;
8.6. Âmago da tragédia no século XX: tomada de consciência de que as forças que se apresentaram para protagonizar a superação do capitalismo, na verdade, faziam parte da sustentação do capitalismo.

Bibliografia
ANTIGO TESTAMENTO. “Gênesis” em Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

ARAÚJO, Alberto F.; ALMEIDA, Rogério de.; BECCARI, Marcos. (orgs.). O mito de Frankenstein:
imaginário e educação – coleção mitos da pós-modernidade, volume 1. São Paulo: FEUSP,
2018.

BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão. Trad. João Barrento. São Paulo e Belo
Horizonte: Autêntica, 2011. (1928)

______. “A crise do romance. Sobre Alexanderplatz, de Döblin” em Obras escolhidas I: Magia e
técnica, arte e política – ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Serio Paulo Rouanet.
São Paulo: Brasiliense, 2011, p. 54-60. (1930)

_______. “O narrador” em Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política – ensaios sobre literatura
e história da cultura. Trad. Serio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 2011, p. 197-221.
(1936)

_______. “Sobre o conceito da História” em Obras escolhidas I: Magia e técnica, arte e política –
ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Serio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 2011, p. 222-232. (1940)

BÜCHNER, Georg. “Danton’s death” em Danton’s death, Leonce and Leona, and Woyzeck. Trad.
Victor Price. Oxford: Oxford University Press, 2008.

CEVASCO, Maria E. Para ler Raymond Williams. São Paulo: Paz e terra, 2001.

COHN, Norman. The pursuit of the millennium: revolutionary millenarians and mystical anarchists of
the middle ages. Oxfordo: Oxford University Press, 1970. (1957)

EAGLETON, Terry. “Categories for a materialist criticism” em Criticism and ideology: a study in
Marxist literary theory. London: Verso, 2006, p. 44-63. (1976)

______. A ideologia da estética. Trad. Mauro Sá Rego Costa. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. (1990)

______. “Tragédia e romance” em Doce violência: a ideia do trágico. Trad. Alzira Allegro. São Paulo:
Editora UNESP, p. 249-279, 2012. (2003)

ESPINOSA, Baruch. Tratado Teológico-Político. Trad. Diogo Pires Aurélio. Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 2004. (1667)

ÉSQUILO. “Prometeu acorrentado” em O melhor do teatro grego. Trad. Mário da Gama Kury. Rio de
Janeiro: Zahar, 2013.

FREUD, Sigmund. “O inquietante” em Obras completas volume 14. Trad. Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das letras, 2017, p. 328-376. (1919)

______. “O mal-estar na civilização” em Obras completas volume 18. Trad. Paulo César de Souza. São
Paulo: Companhia das letras, 2014, p. 13-122. (1930)

GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo: Contexto, 2017. (2003)

HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. Trad. Álvaro Cabral. São Paulo: Martins
Fontes, 2000. (1953)

HESÍODO. Teogonia. Trad. Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2017.

______. Os trabalhos e os dias. Trad. Mary de Camargo Neves Lafer. São Paulo: Iluminuras, 2019.

HOBSBAWM, Eric. “Introduction” em MARX, Karl. Pre-capitalist economic formations. Trad. Jack
Cohen. New York: International publishers, 2007.

______. Bandidos. Trad. Donaldson M. Garschagen. São Paulo: Paz e terra, 2015. (2000)

LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio – uma leitura das teses ‘Sobre o conceito de
história’. Trad. Wanda Nogueira Caldeira Brant, Jeanne Marie Gagnebin, Marcos Lutz Müller.
São Paulo: Boitempo, 2010. (2001)

LÖWY, Michael.; SAYRE, Robert. Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da
modernidade. Trad. Nair Fonseca. São Paulo: Boitempo, 2015.

MANDEL, Ernest. “A ideologia na fase do capitalismo tardio” em O Capitalismo Tardio. Trad. Carlos
Eduardo Silveira Matos, Regis de Castro Andrade e Dinah de Abreu Azevedo. São Paulo:
Abril Cultural, 1982, p. 351-366. (1972)

MILTON, John. Paradise lost. London and New York: Penguin, 2003. (1667)

NIETZSCHE, Friedrich. O nascimento da tragédia. Trad. J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das
letras, 2017. (1872)

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto comunista. Trad. Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo,
2010. (1848)

MARX, Karl. Diferença entre a filosofia da natureza de Demócrito e a de Epicuro. Tradução de Nélio
Schneider. São Paulo: Boitempo, 2018. (1841)

______. Pre-capitalist economic formations. Trad. Jack Cohen. New York: International publishers,
2007. (1845-1858)

______. “Formas que precederam a produção capitalista” em Grundrisse: Manuscritos econômicos de
1857-1858. Esboços da crítica da economia política. Trad. Mari Duayer e Nélio Schneider. São
Paulo: Boitempo, 2011, p. 388-423. (1857-1858)

______. “Divisão do trabalho e manufatura” e “Maquinaria e grande indústria” em O capital: crítica da
economia política. Livro I: o processo de produção do capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo:
Boitempo, 2013, p. 411-574. (1867)

______. “A lei da queda tendencial da taxa de lucros” em O capital: crítica da economia política. Livro
III: o processo global da produção capitalista. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo,
2019, p. (1894)

MORETTI, Franco. O romance de formação. Trad. Natascha Belfort Palmeira. São Paulo: Todavia,
2020. (1987)

NOVACK, George. As origens do materialismo. São Paulo: Sundermann, 2015.

ROSDOLSKY, Roman. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Trad. César Benjamin. Rio de
Janeiro: Editora da UERJ e Contraponto, 2001. (1968)

ROUANET, Sergio P. “Apresentação” em BENJAMIN, Walter. Origem do drama barroco alemão.
Trad. Sergio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 11-47.

SHELLEY, Mary. Frankenstein, or the modern Prometheus. London: Penguin, 2003. (1818)

SZONDI, Peter. Ensaio sobre o trágico. Trad. Pedro Süssekind. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

VASCONCELLOS, Sandra G. “Romance gótico: persistência do romanesco” em Dez lições sobre o
romance do século XVIII. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 118-135.

PINTO, Álvaro V. O Conceito de Tecnologia. Vol. 1. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013. (1973)

WILLIAMS, Raymond. “The romantic artist” em Culture and society 1780-1950. London: Penguin,
1975, p. 48-64. (1958)

______. Tragédia moderna. Trad. Betina Bischof. São Paulo: Cosac & Naify, 2002. (1966)

______. Keywords: a vocabulary of culture and society. London: Fontana press, 1983. (1976)

______. “The fiction of reform” em Writing in society. London: Verso, 1991, p. 142-149. (1977)

______. “Afterword to Modern Tragedy” em Politics of modernism: against the new conformists.
London and New York: Verso, 2007, p. 95-105. (1979)

______. “The Bloomsbury fraction” em Culture and materialism. London: Verso, 2003, p. 148-169.
(1980)

WOLLSTONECRAFT, Mary. A vindication of the rights of men - A vindication of the rights of
woman – An historical and moral view of the French Revolution. Oxford: Oxford University Press, 1993. (1790-1794)