Programa

Aula 1 – Marxismo e feminismo: encontros e desencontros
Profa: Isabela Meucci


Esta aula irá introduzir o tema central que será trabalhado ao longo de todo o curso - os entrecruzamentos entre marxismo e feminismo - tendo como base uma leitura crítica do livro "Ligações Perigosas: casamentos e divórcios entre marxismo e feminismo". Pretende-se apoiar no breve panorama apresentado por Arruzza sobre as relações entre o movimento feminista, o movimento operário e a esquerda marxista, com vistas a entender como elas se deram ao longo da história e quais debates e controvérsias fundamentais elas produziram no âmbito da teoria e da política desde o século XIX. Com isso, espera-se abrir caminho para as aulas seguintes, em que serão abordadas autoras centrais do pensamento marxista feminista e as interpretações originais que elas produziram sobre classe, gênero, raça, patriarcado, capitalismo e teoria queer.
Leitura obrigatória
ARRUZZA, Cinzia. Ligações Perigosas: casamentos e divórcios entre marxismo e feminismo. São Paulo: Usina Editorial, 2019.
Referências complementares
MARCELINO, Giovanna Henrique; DELLA TORRE, Bruna. Por um novo casamento entre feminismo e marxismo - Entrevista com Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya. Crítica marxista, n. 51, 2020.
SAFFIOTI, Heleith. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Expressão Popular, 2013.
GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural da Amefricanidade. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019.

Aula 2 - Lise Vogel: reprodução social e teoria unitária
Profa: Giovanna Marcelino


Esta aula visa abordar as contribuições da socióloga norte-americana Lise Vogel em "Marxism and the oppression of women: toward a unitary theory" (1983), obra que serviu de base para o desenvolvimento de uma abordagem teórica específica do pensamento marxista-feminista: a chamada Teoria da Reprodução Social (TRS). Para tanto, pretende-se apresentar as ideias centrais do livro, bem como situá-lo no contexto e no campo de teorização mais amplo do qual ela faz parte, vinculado a emergência das lutas por libertação das mulheres nos anos 1970 (Women's Liberation), aos debates do feminismo socialista em torno do trabalho reprodutivo e das relações entre capitalismo e patriarcado, bem como à novas leituras (feministas) da obra de Marx e Engels que emergiram no campo da teoria social a partir dos anos 1960. Espera-se, com isso, evidenciar o sentido específico do termo "reprodução social" empregado por Vogel, bem como de sua proposta de uma "teoria unitária", relacionada à tentativa de conciliar análises feministas sobre gênero e marxistas sobre classe e oferecer uma explicação teórica única e integrada tanto da opressão das mulheres quanto do modo de produção capitalista. Por fim, espera-se também brevemente abordar a atualidade de tais formulações e como elas foram recentemente resgatadas e revitalizadas por autoras como Thiti Bhattacharya, Cinzia Arruzza e Susan Ferguson para compreender o atual contexto de crise capitalista e as formas de luta contra ele.
Leitura obrigatória
FERGUSON, S.; MCNALLY, D. Capital, força de trabalho e relações de gênero. Outubro, n. 29, 2017.
Referências complementares
VOGEL, L. Marxism and Women Oppression: Toward a Unitary Theory. Boston: Brill, 2013.
BHATTACHARYA, T. “Lise Vogel (1938 - ) and social reproduction theory”. In: CALLINICOS, A.; KOUVELAKIS, S.; PRADELLA, L. Routledge Handbook of Marxism and Post-Marxism. New York and London: Routledge, 2021.
ARRUZZA, C. Considerações sobre gênero: reabrindo o debate sobre patriarcado e/ou capitalismo. Outubro, n. 23, 2014.
BHATTACHARYA, T. O que é teoria da reprodução social. Outubro, n. 32, 2019.
FERGUSON, S. Feminismo interseccional e da reprodução social: rumo a uma ontologia integrativa. Cadernos CEMARX, n. 10, 2017.

Aula 3 – Nancy Fraser: Feminismo para os 99%
Profa: Beatriz Sanchez Rodrigues


Nesta aula, discutiremos o livro “Feminismo para os 99%: um manifesto”, de autoria de Nancy Fraser, Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya, publicado pela editora Boitempo em 2019. Em primeiro lugar, resgataremos o pensamento de feministas pioneiras que, antes da publicação do manifesto, já apontavam para algumas das questões centrais contidas nele. Entre as referências que mobilizaremos estão o manifesto do Coletivo do Rio Combahee, publicado em 1978, nos EUA, e a produção intelectual de Lélia Gonzalez e de Carolina Maria de Jesus. Em seguida, articularemos as reflexões trazidas pelo manifesto com a obra anterior de Nancy Fraser. Para isso, apresentaremos as três dimensões da justiça social estabelecidas pela autora: redistribuição, reconhecimento e representação. Desenvolveremos também a relação entre reacionarismo conservador e neoliberalismo progressista, por meio da crítica feita por Fraser à dicotomia artificial criada entre as “políticas identitárias” e a luta de classes. Por fim, tendo em vista o contexto contemporâneo de ascensão conservadora e autoritária em diversos países, discutiremos as possibilidades emancipatórias de superação do capitalismo a partir das proposições
feitas pelas autoras do manifesto.
Leitura obrigatória
ARRUZZA, Cinzia.; BHATTACHARYA, Tithi.; FRASER, Nancy. Feminismo para os 99%: um manifesto. São Paulo: Boitempo, 2019.
Referências complementares
Combahee River Collective. The Combahee River Collective statement. [1978]. In:Smith, B. (org.). Home girls: a black feminist anthology. New Jersey,Rutgers University Press, 2008.
FRASER, Nancy. Reenquadrando a justiça em um mundo globalizado. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 77, 2009.
FRASER, Nancy. Do neoliberalismo progressista a Trump – e além. Revista Política & Sociedade, v.17, n. 40, 2018.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo: Zahar, 2020.
JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 2014.

Aula 4 – Silvia Federici: o patriarcado do salário e acumulação primitiva
Profa. Dra. Bruna Della Torre


A teoria da reprodução social desafiou a tese de algumas feministas na década de 1970 de que as mulheres têm menos poder social que os homens no capitalismo porque não estão inseridas nas relações capitalistas de produção. E, assim, bastaria que as mulheres entrassem no mercado de trabalho para combater a dominação masculina e integrar as populações não assalariadas para que elas deixassem de ser populações dominadas. Essa perspectiva, conforme demonstra Silvia Federici, deixou o problema da reprodução em segundo plano, fazendo com que a democratização da vida cotidiana fosse vista igualmente como secundária. O objetivo dessa aula é repensar a categoria de trabalho de Marx, a partir da ideia de “salário do patriarcado” e de reprodução social de Federici, bem como o conceito marxiano de acumulação primitiva, relido a partir da história de espoliação e expropriação do trabalho e dos corpos das mulheres. Ao longo de sua obra, Federici demonstrou que o capitalismo não vive apenas da exploração do trabalho assalariado e que o gênero, a família e o trabalho reprodutivo ocupam um lugar central em sua configuração. Com isso, inaugurou uma nova maneira de ler não só a obra de Marx, a partir de uma crítica feminista da economia política, mas do próprio processo social capitalista. Além de alargar categorias marxistas fundamentais, a obra de Federici amplia também as possibilidades da luta anticapitalista. Por fim, a aula buscará também comentar a importância da reflexão a respeito do trabalho de uma perspectiva feminista para compreender o momento atual da pandemia na América Latina, a partir das reflexões de Lucia Cavalero e Verónica Gago.
Leitura obrigatória

FEDERICI, Silvia. O patriarcado do salário. Notas sobre Marx, gênero e feminismo. Tradução de Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021.
FEDERICI, Silvia. O calibã e a bruxa. Mulheres, corpo, acumulação primitiva, Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Editora Elefante, 2017.
Referências complementares
CAVALERO, Lucia; GAGO, Verónica. “Dívida, moradia e trabalho: uma agenda feminista para o pós-pandemia”. LABORATÓRIO DE TEORIAS E PRÁTICAS FEMINISTAS — (PACC/UFRJ). Disponível em: https://medium.com/laboratório-de-teorias-e-práticas-feministas-pacc/d%…
FEDERICI, Silvia. O patriarcado do salário. São Paulo: Boitempo, 2021.
FEDERICI, Silvia. Beyond the periphery of the skin. Rethinking, Remaking, and Reclaiming the Body in Contemporary Capitalism. Califórnia: PM Press, 2020.
FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução. Trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Tradução de Coletivo Sycorax. São Paulo: Editora Elefante, 2019.
HOPKINS, Carmen Teeple. “Mostly Work, Little Play: Social Reproduction, Migration, and Paid Domestic Work in Montreal”. In: Bhattacharya, Tithi (org.). Social Reproduction Theory: Remapping Class, Recentering Oppression. London: Pluto Press, 2017.

Aula 5 – Angela Davis: capitalismo racial
Profa. Ana Flávia P. L. Bádue


Enquanto o marxismo feminista nos ensina que o capitalismo produz e é pautado por relações desiguais de gênero, autoras brasileiras e estrangeiras deram um passo além ao explicitar os fundamentos raciais do capitalismo. Nessa aula, discutiremos o livro Mulher, Raça e Classe de Angela Davis, ativista e filósofa estadunidense. O objetivo central do encontro é identificar como, na visão da autora, racismo, opressão de gênero e de classe se determinam mutuamente na sociedade capitalista, desde a escravidão moderna ao complexo-industrial prisional. A aula também trará alguns temas complementares. A fim de situar a autora e o livro, o encontro abordará o cenário político-intelectual da formação de Davis como ativista e acadêmica, focando sobretudo em autoras e ideias que compõe genealogia do pensamento marxista feminista negro nos EUA, como Claudia Jones. Além disso, retomaremos a discussão sobre Lélia Gonzalez de encontros anteriores, a fim de identificar continuidades e diferenças entre o debate marxista antirracista feminista no Brasil e nos Estados Unidos. Por fim, faremos um mapeamento do debate contemporâneo sobre capitalismo racial, com autoras como Ruth Gilmore, Charisse Burden-Stelly que e Flávia Rios, que atualizam a perspectiva marxista anti-racista feminista à luz de questões do presente.
Leitura Obrigatória
DAVIS, Angela. 2016. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo.
Referências complementares
DAVIS, Angela. 2018. A liberdade é uma luta constante. São Paulo: Boitempo.
DAVIS, Angela. 2018. Estarão as prisões obsoletas? São Paulo: Bertrand Brasil.
GILMORE, Ruth Wilson. 1999. “You Have Dislodged a Boulder: Mothers and Prisoners in the Post Keynesian California Landscape”. Transforming Anthropology 8 (1–2): 12–38.
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-latino-americano. São Paulo: Zahar, 2020.
JONES, Claudia. 2017. “Um fim à negligência em relação aos problemas da mulher negra!” Revista Estudos Feministas 25 (3): 1001–16.
RALPH, Michael; SINGHAL, Maya. 2019. "Racial Capitalism." Theory and Society 48 (6): 851-881.
RIOS, Flavia. A cidadania imaginada pelas mulheres afro-brasileiras: da ditadura militar à democracia. In: Eva Blay; Lucia Avelar. (Org.). 50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e Chile. São Paulo: Edusp, 2017.
BURDEN-STELLY, Charisse. 2020. “Modern U.S. Racial Capitalism”. Monthly Review.

Aula 6 – Marxismo Feminista hoje: questões e caminhos
Profas: Isabela Meucci, Giovanna Marcelino, Beatriz Rodrigues, Bruna Della Torre e Ana Flávia
Bádue


Essa aula consistirá em um “balanço crítico” do curso, em diálogo com as participantes. O objetivo é levantar questões que visem aprofundar os conceitos trabalhados ao longo do curso de extensão, bem como discutir possíveis conexões, continuidades, semelhanças e diferenças entre as autoras lidas ao longo das semanas. Como a noção de justiça social de Nancy Fraser dialoga com a proposta de uma teoria unitária de Lise Vogel? Em que medida os entrecruzamentos entre marxismo e feminismo no livro de Cinzia Arruzza levam em conta o debate sobre os fundamentos racistas do capitalismo apresentados por Angela Davis? Como a revisão da noção de trabalho, a partir de uma teoria da reprodução social de Silvia Federici, nos permite pensar a relação entre marxismo e feminismo apresentada por Arruzza? Como as perspectivas feministas e antirracistas abordadas no curso permitem alargar o conceito de acumulação primitiva? Trata-se de confrontar as diversas teorias presentes no curso com o fito de construir um panorama dos principais debates do marxismo feminista contemporâneo, mas também de mostrar como esse campo de pesquisa e de luta, ainda em construção, estabelece um diálogo com uma série de áreas de pesquisa nas Humanidades.