Programa

Ministrante: Sheyla Castro Diniz (pós-doutoranda no Programa de História Social).
Professor coordenador: Marcos Napolitano (Departamento de História).

Ementa: Análise e compreensão da contracultura no Brasil sob a ditadura com enfoque no chamado “pós-tropicalismo”, principalmente na canção que, na primeira metade dos anos de 1970, identifica-se com a sigla renovada da MPB.

1. (14/04) – Apresentação do curso e contextualização da contracultura no Brasil.

Além da apresentação detalhada do curso, será feita uma breve contextualização política e sociocultural da primeira metade dos anos de 1970, período de manifestação da contracultura no Brasil sob a égide da censura, da repressão pós-edição do AI-5 e da expansão do mercado de bens culturais. Serão elencadas as principais características da experiência contracultural a partir do momento tropicalista (1967-68), a fim de identificar tanto o seu diálogo com artes de vanguarda quanto o seu intercâmbio com a movimentação da juventude além Brasil, bem como a fissura provocada pelos tropicalistas na ideia até então compartilhada de MPB.
Bibliografia
DUNN, Christopher. “Nós somos os propositores”: vanguarda e contracultura no Brasil, 1964-1974, ArtCultura, Uberlândia, v. 10, n.º 17, p. 143-158, jul./dez. 2008.
FAVARETTO, Celso. “Panis et circencis”. In: Tropicália, alegoria, alegria. 4.ª ed. Cotia: Ateliê, 2007, p. 79-112.
NAPOLITANO, Marcos. “‘A primavera nos dentes’: a vida cultural sob o AI-5”. In: 1964: história do regime militar brasileiro. São Paulo: Contexto, 2014, p. 173-204.

2. (16/04) – O “pós-tropicalismo” e a ideia renovada de MPB.

O “pós-tropicalismo” será abordado em duas acepções: quando utilizado para se referir aos tropicalistas numa fase posterior e a demais artistas vinculados ao “grupo baiano”; e quando, sendo em todo caso um marco temporal, o termo é empregado de forma genérica, acusando certa dificuldade de nomear ou etiquetar uma gama variada e heterogênea de iniciativas musicais que surge no início dos anos de 1970. Busca-se, assim, discutir, de um lado, o legado inconteste dos tropicalistas para a ideia renovada de MPB e, de outro, o peso generalizante e às vezes essencialista do “pós-tropicalismo”. Nesse sentido, será destacada a turma do Clube da Esquina, sobretudo os LPs Milton (1970) e Clube da Esquina (1972), exemplos singulares de manifestação da contracultura na canção brasileira do período, mas cujas fontes, fusões e maneiras de concebê-la não são necessariamente tributárias do tropicalismo.
Bibliografia
BRITTO, Paulo Henriques. “A temática noturna no rock pós-tropicalista”. In: NAVES, Santuza Cambraia e DUARTE, Paulo Sérgio (orgs.). Do samba-canção à tropicália. Rio de Janeiro: FAPERJ/Relume Dumará, 2003.
DINIZ, Sheyla Castro. “Não precisa da timidez: a metamorfose de Milton”; “Trem de doido: um Clube espontâneo e informal”. In: ... De tudo que a gente sonhou: amigos e canções do Clube da Esquina. São Paulo: Intermeios/Fapesp, 2017, p. 73-98; 99-127.
NAVES, Santuza Cambraia. “O rock e a canção”. In: Canção popular no Brasil: a canção crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 107-126.

3. (19/04) – Canção e desbunde.

Será discutido o caráter ambivalente do desbunde, gíria de origem pejorativa que circulou no meio artístico-cultural dos anos de 1970 e que acabou se tornando, via de regra, sinônimo de contracultura no Brasil, esvaziando muitas vezes o viés crítico e contestatório daquela experiência sob a racionalidade do Estado autoritário. Pivô de conflitos político-ideológicos, o desbunde apontava para um modo de vida libertário, ligado, dentre outros aspectos, ao ideário hippie e às comunidades alternativas. Serão analisados o show e LP de Gal Costa Fa-Tal: Gal a todo vapor (1971) e a vivência coletiva d’Os Novos Baianos, bem como seus discos É ferro na boneca (1970), Acabou chorare (1972) e Novos Baianos F.C. (1973).
Bibliografia
DINIZ, Sheyla Castro. “Desbundando em anos de chumbo: contracultura, produção artística e Os Novos Baianos”, História (São Paulo), Assis/Franca, v. 39, 2020, p. 1-29.
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. “O susto tropicalista na virada da década”. In: Impressões de viagem: CPC, vanguarda e desbunde (1960/70). 5.ª ed. Rio de Janeiro: Aeroplano, p. 62-98.

4. (21/04) – Canção, experimentalismo e marginalidade.

Serão destacados músicos que, no início dos anos de 1970, ganharam as alcunhas de “malditos” e/ou “marginais”, ora porque eram inconstantes em suas carreiras, acumulando assim atritos com as gravadoras, ora porque destoavam do gosto médio do público, haja vista a linguagem experimental com que concebiam seus trabalhos. Será discutida a noção de marginalidade como uma das representações da contracultura e serão comentados, principalmente, discos de Jards Macalé e de Walter Franco, bem como suas respectivas relações com heranças da vanguarda construtivista e da poesia concreta.
Bibliografia
COELHO, Frederico. “A definição do grupo marginal”. In: Eu, brasileiro, confesso minha culpa e meu pecado: cultura marginal no Brasil das décadas de 1960 e 1970. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p. 233-251.
DINIZ, Sheyla Castro. “Macalé e seus parceiros marginais”; “Walter Franco: o que tem nessa cabeça, irmão?”. In: Desbundados e marginais: MPB e contracultura nos “anos de chumbo” (1969-1974). Tese de doutorado em Sociologia, Campinas, Unicamp, 2017, p. 115-144.
VARGAS, Herom. “Categorias de análise do experimentalismo pós-tropicalista na MPB”, Fronteiras: estudos midiáticos, v. 14, n.º 1, jan./abr. 2012.

5. (23/04) – Contracultura no exílio.

O encontro será dedicado às obras e experiências no exílio de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em torno dos quais se reuniram diversos artistas brasileiros como Jorge Mautner, que, na ocasião, concebeu com os baianos o filme O demiurgo (1971). Tratará também da presença desses artistas nos festivais da Ilha de Wight e Glastonbury, procurando enaltecer os discos e canções produzidos no período e o caráter desterritorializado da contracultura.
Bibliografia
DINIZ, Sheyla Castro. “Contracultura e misticismo no exílio”. In: Desbundados e marginais: MPB e contracultura nos “anos de chumbo” (1969-1974). Tese de doutorado em Sociologia, Campinas, Unicamp, 2017, p. 145-164.
PEZZONIA, Rodrigo. “MPB exilada: Chico, Gil e Caetano entre exílio e retorno”, Anais do XXX Simpósio Nacional da Anpuh, Recife, 2019, p. 1-18. Disponível: https://www.snh2019.anpuh.org/resources/anais/8/1553111013_ARQUIVO_PEZZ…

6. (26/04) – MPB e Contracultura: engajamento e massificação.

A partir de shows como O Banquete dos mendigos (1973), protagonizado por Jards Macalé no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, e a apresentação emblemática de Gilberto Gil na Poli/USP (1973) a convite do Movimento Estudantil, será problematizado o papel desses e outros artistas ligados à contracultura no que concerne à resistência política, dimensões que, embora tensas, foram se impregnando com o avançar da primeira metade dos anos de 1970. Inserida boa parte dos valores, práticas e experiências da contracultura num mercado fonográfico cada vez mais consolidado, as discussões abarcarão igualmente a banda Secos e Molhados, cujas canções e performances, em sintonia com a liberação sexual e o nascente movimento gay, angariaram milhares de fãs e amplo respaldo da indústria cultural.
Bibliografia
DINIZ, Sheyla Castro. “Denúncia política e contracultura: o ‘show proibido’ de Gilberto Gil na Poli USP (1973)”, Teoria e Cultura, Programa de pós-graduação Ciências Sociais, UFJF, v. 13, n.º 2, dez. 2018, p. 159-174.
DUNN, Christopher. “Masculinity left to be desired”. In: Contracultura: alternative arts and social transformation in authoritarian Brazil. Chapel Hill: University of North Carolina, 2016, p. 175-200.
NAPOLITANO, Marcos. “A música popular brasileira (MPB) dos anos 70: resistência política e consumo cultural”. Anais do IV Congresso da IASPM-AL, Cidade do México, abr. 2002.
Disponível: http://www.iaspmal.net/wp-content/uploads/2011/12/Napolitano.pdf .

7. (28/04) – Encerramento do curso e possíveis legados da contracultura no Brasil.

Serão contrastados diagnósticos tecidos na década de 1970, no calor do momento, com análises mais atuais sobre a contracultura, visando avaliar criticamente aquele conjunto polissêmico de valores, práticas e experiências sob a ditadura e os seus possíveis legados para a cultural, as artes brasileiras e a canção em particular. Para encerrar, os participantes serão convidados a realizarem um balanço do curso, a exporem contribuições e reflexões.
Bibliografia
FAVARETTO, Celso. “A contracultura: entre a curtição e o experimental”, Modos, Revista de História da Arte, Campinas, v. 1, n.º 3, p. 181-203, set./dez. 2017.
NAPOLITANO, Marcos. “A hegemonia do vazio: lutas culturais nos anos de chumbo”. In: Coração civil: a vida cultural brasileira sob ao regime militar (1964-1985) – ensaio histórico. São Paulo: Intermeios, 2017, p. 151-198.
VENTURA, Zuenir. “O vazio cultural”. In: GASPARI, Elio; HOLLANDA, Heloísa; VENTURA, Zuenir. Cultura em trânsito: da repressão à abertura. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000, p. 40-51.