Desenraizamento do antropocentrismo: Kant, Schelling e Nietzsche entre a prática e a teoria

O curso tem como objetivo expor alguns temas que percorrem a filosofia crítica alemã entre o fim do século XVIII e meados do XIX, especialmente nas obras de Kant, Schelling e Nietzsche, e que circunscrevem o problema dos limites dos usos da razão e o "desenraizamento maximal do antropocentrismo": o termo foi cunhado por Gérard Lebrun na conferência nomeada O subsolo da Crítica para sintetizar como o método crítico elabora estratégias para que a filosofia consiga pensar objetos suprassensíveis sem transgredir os usos legítimos das faculdades da razão. Na Crítica da Razão Pura, Kant denuncia uma falha da metafísica dogmática, que não percebeu a equivocidade da coisa em geral e de sua dupla significação, como (als) fenômeno e coisa em si, como sensível e inteligível. Torna-se, então, papel da crítica a distinção das significações que acompanha os limites do uso teórico da razão. A faculdade de conhecer, o entendimento, deve se referir às representações da intuição nisso que seria um juízo teórico, ou um juízo sintético. A metafísica, por sua vez, teria ultrapassado os limites do uso do entendimento ao tratar objetos inteligíveis do mesmo modo que os fenômenos. Se Kant pretende recuperar o estatuto de ciência da metafísica, como afirma Lebrun logo no início da mencionada conferência, nem por isso ele restringe todo uso da razão aos objetos de origem sensível, e é a construção transcendental desse lugar ocupado pelos objetos suprassensíveis no projeto crítico que o curso visa expor.
Pretende-se, então, mostrar, a partir do primado da prática kantiano, como Schelling e Nietzsche, considerando a disposição teórica do momento histórico pertinente a cada um desses filósofos, usufruíram das possibilidades de se pensar o que parecia ser "impensável", nos moldes da filosofia crítica. No caso de Schelling, o curso abordará as suas Cartas filosóficas sobre o dogmatismo e criticismo e de que modo é possível fazer uma leitura a partir delas de uma compreensão dos dois sistemas filosóficos, o dogmatismo e o criticismo, com valor teórico equivalente. Quanto a Nietzsche, trataremos do modo como o autor, em seu projeto de transvaloração dos valores, critica a unidade da consciência e a necessidade de uma instância mediadora como um "eu" que recepciona o mundo. "Ilusão da gramática", o "eu" não se encontra em uma unidade sintética espontânea do sujeito, mas remete antes ao trato social, às demandas que um indivíduo lança ao outro com quem se relaciona, formando, assim, um sentido comum e populacional ao signo produzido, sempre referido a certa necessidade fisiológica originária - portanto, a um campo pré-predicativo - que acessa a consciência. No entanto, esse "eu" objeto da crítica nietzschiana não é facilmente dispensável, pois, como seres que se expressam por meio de uma linguagem, os seres humanos estão necessariamente imersos em suas ilusões. A noção de perspectivismo surge como estratégia possível para o filósofo lidar com o paradoxo em questão.