O conceito de financeirização visa explicar a crescente influência e domínio das finanças sobre a economia, a sociedade e o espaço geográfico, e como as finanças determinam cada vez mais a ação de organizações públicas e privadas, assim como a vida cotidiana dos cidadãos. Embora seja definido de várias formas, o conceito é com frequencia utilizado para identificar as características centrais da atual fase do capitalismo. A literatura acadêmica aponta que o processo de financeirização tem suas raízes nas décadas de 1960 e 1970, com o aumento do poder de agentes financeiros como bancos comerciais, bancos de investimento e bolsas de valores. Concomitantemente, novos produtos e serviços financeiros foram sendo criados, fazendo emergir outros atores-chave no cenário financeiro global, como fundos financeiros (hedge, pensão, mútuo, soberanos), empresas de seguros, cartões de crédito, e mais recentemente as "fintechs". O capital financeiro foi elevado à posição de agente hegemônico no capitalismo contemporâneo, resultando em uma crescente exigência por maiores rentabilidades das empresas. Esse processo de financeirização tem portanto repercussões significativas, especialmente nas firmas imobiliárias e na produção do espaço urbano e agrícola.
A crise financeira global de 2008, originada pela securitização do crédito imobiliário nos Estados Unidos, evidenciou as consequências negativas da financeirização, e suas conexões com o setor imobiliário. A partir desse evento, houve um aumento significativo das pesquisas sobre o tema, inicialmente focadas em economias do centro do sistema-mundo, especialmente os Estados Unidos e Reino Unido. Em meados da década de 2010, começaram a se difundir estudos sobre a financeirização em países periféricos – como Brasil, China e Índia – e embora estes casos apresentem semelhanças com economias centrais, eles refletem as particularidades das realidades nacionais e dos contextos locais no processo de financeirização.
Pesquisas sobre o desenvolvimento desigual do sistema capitalista argumentam que economias periféricas tendem a assumir uma postura subordinada às centrais, para se adaptarem às dinâmicas do sistema financeiro global e buscar uma acumulação de capital mais eficaz. Esse fenômeno é definido como "financeirização subordinada", e estudos sobre o tema destacam a relação desses processos com a produção imobiliária, tanto em economias periféricas quanto centrais, mostrando também sua influência nas escalas nacional e local.
Neste nível local, a cidade de São Paulo representa uma síntese significativa dos problemas que surgem no contexto da financeirização da economia e do território. Após anos de baixa produção imobiliária até a primeira metade dos anos 2000, o centro da cidade passou a experimentar um novo dinamismo na produção habitacional. Diversos atores lançaram empreendimentos imobiliários de tipologia compacta, derivados de diferentes processos de capitalização, desde o crédito bancário até a participação de Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) – inclundo aportes de fundos públicos. Essa diversidade revela a complexa organização de arranjos financeiros, que influenciam a produção habitacional, transformando a moradia em um ativo financeiro, no centro da maior cidade da América do Sul. Assim, compreender a densidade e a capilaridade dos instrumentos de financeirização nos permite refletir sobre seus impactos na requalificação urbana.
As relações entre os processos de financeirização e a produção imobiliária, portanto, são complexas. Um exemplo claro desta complexidade é a expansão de títulos de securitização de dívidas imobiliárias e a emissão pública de ações de empresas do setor imobiliário na bolsa de valores. Em escala nacional, destaca-se também a ascensão dos FIIs, que conectam investidores do mercado de capitais ao mercado de terras e imóveis. Esses fundos instrumentalizam a reprodução do espaço, capturando fluxos de renda em empreendimentos como edifícios corporativos, shoppings, indústrias e galpões logísticos. Os FIIs reforçam processos de homogeneização, fragmentação e hierarquização do território, operando por meio de formas jurídicas e institucionais que canalizam e alocam o capital conforme os critérios dos gestores dos Fundos. Os FIIs são uma adaptação brasileira dos Real Estate Investment Trusts (ou REITs), usados globalmente, refletindo a adoção das lógicas e métricas financeiras do sistema financeiro global e demonstrando as profundas transformações nas formas, estruturas e dinâmicas urbanas contemporâneas.
Esses elementos ilustram aspectos centrais do processo de financeirização, que convidam a uma releitura crítica deste fenômeno global, materializado de forma desigual e combinada nos territórios de países periféricos, como o Brasil, especialmente em suas áreas metropolitanas. O presente curso visa problematizar essas questões e apresentar ao público as principais abordagens teóricas e casos concretos que ajudam a entender a financeirização.
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Metodologia do Curso e Avaliação
O curso será realizado de forma online, utilizando a plataforma Google Meet para a condução das aulas. A metodologia adotada visa proporcionar uma experiência de aprendizado interativa e prática, com as seguintes atividades programadas:
Aulas expositivas e dialogadas: Serão ministradas 4 aulas, cada uma com cerca de 2h30 horas aula expositiva do docente, abordando os principais temas relacionados à financeirização e produção do espaço urbano no Brasil;
Debates sobre textos de leitura obrigatória: Em cada aula, serão discutidos dois textos de leitura obrigatória, fornecidos previamente aos alunos. Os debates têm como objetivo aprofundar a compreensão dos tópicos abordados e promover a interação entre os participantes;
Exercícios de avaliação: Ao final de cada aula expositiva, será realizado um exercício de avaliação composto por 10 testes. Os testes serão realizados pelos alunos e corrigidos ao final da aula, permitindo um debate sobre o desempenho da classe e esclarecimento de dúvidas. Esta atividade de avaliação deve durar em torno de 1 hora.
A avaliação dos participantes será composta por dois critérios:
Participação nos debates em aula: a participação ativa nos debates propostos ao longo das aulas será considerada na avaliação dos alunos. Considera-se fundamental a participação dos inscritos a partir dos argumentos e materiais trabalhados nas aulas;
Desempenho nos testes aplicados: ao final de cada aula expositiva, será realizado um exercício de avaliação composto por um questionário com 10 testes. O desempenho dos alunos nesses testes será avaliado e contribuirá para a nota final do curso.
A nota final será calculada a partir da ponderação desses dois critérios, refletindo tanto o engajamento dos alunos nas atividades propostas quanto seu domínio na apropriação dos conteúdos apresentados.