Programa

AULA 1: Animalizar as fontes históricas
Humanos tendem a ser os protagonistas das narrativas históricas, até porque a disciplina da qual elas emergem orienta-se pela convenção das ciências ditas humanas. Mas esses mesmos protagonistas, que seria deles sem os entes não humanos – e, nesse particular, os animais? Nesta aula, pretendemos exercitar formas de análise crítica documental que, em vez de permanecer excluindo, incluam em sua leitura animais como importantes agentes históricos em diferentes contextos. Seja na forma de alimentos, transporte, signos de religiosidade, trocas comerciais ou companhia, os animais não humanos, ao contrário do que pode fazer parecer a historiografia antropocêntrica, representam, material ou simbolicamente, entidades fulcrais para a compreensão do passado social.

Leitura recomendada:
CAMINHA, Pero Vaz de. Carta de achamento do Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2021.

AULA 2: Os animais nos porões no navio negreiro: modernidade e circulação de humanos e não humanos
Os modernos não foram os primeiros a promover movimentações forçadas de humanos e não humanos, mas certamente foram aqueles que a aperfeiçoaram. Nesta aula pretendemos tratar das relações históricas existentes nos processos de circulação de pessoas e animais não humanos, e mostrar de que modo pessoas em situação de escravidão no período moderno e animais não humanos estiveram inscritos em regimes análogos de segregação e violência – fundamento sobre o qual inclusive se alicerçava a “animalização” de grupos humanos inteiros. Objetivamos mostrar os pressupostos eurocêntricos, racistas, sexistas e especistas que fundamentam esses regimes, e mostrar quais foram suas consequências nos regimes sócio-ecológicos globais da contemporaneidade.

Leitura recomendada:
FERDINAND, Malcom. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Editora Ubu, 2022, pp. 21 - 43 (Prólogo).


AULA 3: E quando os bichos aparecem? Os insetos na ficção científica
Abelhas assassinas e formigas gigantes invadindo os grandes centros urbanos estadunidenses povoaram o imaginário popular da indústria cultural hollywoodiana ao longo do século XX. Além disso, o emblemático filme “A mosca” (1958) ressalta os terrores físicos e psicológicos que afligem as mentes daqueles que se retiram da humanidade. Nesta aula, pretendemos abordar as formas como os insetos foram representados no universo da ficção científica do século XX. Mostraremos como que muitas vezes os insetos são vistos como espécies de alienígenas invasores, usados como metáforas daquilo que vem de fora, e que ameaça romper com a ordem vigente.

Leituras recomendadas:
FAUSTO, Juliana. A cosmopolítica dos animais [TESE], p. 222 - 229. Disponível em: https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/colecao.php?strSecao=resultado&nrSe….
Ritvo, Harriet. Quão selvagem é o selvagem? In: “The Edges of Environmental History: Honouring Jane Carruthers,” edited by Christof Mauch and Libby Robin, RCC Perspectives 2014, no. 1, 19–24. Disponível em: https://www.environmentandsociety.org/sites/default/files/2014_i1_portu….


AULA 4: O contemporâneo e a animalidade invisível: vaga-lumes, pombos, jacarés e bois
A construção de sensibilidades iluministas, liberais e burguesas, centradas em concepções bastante localizadas de racionalidade e cientificidade, gradualmente afastou os animais não humanos das vivências cotidianas, sobretudo – mas não só – nas cidades. Assim, a contemporaneidade se vê como uma espetacular superação dos limites da “natureza”, que deve passar a se subordinar aos desígnios técnicos e econômicos de uma sociedade afeita à ideologia do progresso e do desenvolvimento ilimitados. A historiografia, ao investigar os papéis sociais relegados aos animais não humanos nessa ordem urbana, capitalista e industrial, contribui para desvelar mecanismos de violência que perpetuam e aprofundam situações de desigualdade, apontando ainda para maneiras históricas de a elas resistir, em geral por meio de alianças nas margens que se imiscuem aos afetos interespecíficos. Mulheres idosas e pombos, trabalhadores pobres e cachorros de rua, curiosos e um jacaré em rio urbano e funcionários de frigoríficos e bois abatidos em profusão compõem alguns desses encontros produtores de afetos contra-hegemônicos capazes de estimular reflexões para existências menos brutalizadas.

Leituras recomendadas:
AMIR, Fahim. Revoltas animais: pombos, porcos e outros miseráveis na filosofia. São Paulo: Igrá Kniga, 2025.
FARAGE, Nádia. “Antes fora eu: o animal literário em Lima Barreto”. In: BRAGA, Elda Firmo; LIBANORI, Evely Vânia; DIOGO, Rita de Cássia Miranda (orgs.). Representação animal: diálogos e reflexões literárias. Rio de Janeiro: Oficina da Leitura, 2015.
MARRAS, Stelio. Virada animal, virada humana: outro pacto. Scientiæ Studia, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 215-260, 2014.

Bibliografia complementar

BARATAY, Éric (org.). Aux sources de l’histoire animale. Paris: Éditions de la Sorbonne, 2019.
BARATAY, Éric. Feline cultures: cats create their history. Trad. ing. Drew S. Burk. Athens: The University of Georgia Press, 2024.
BERGER, John. Por que olhar para os animais? Trad. Pedro Paulo Pimenta. São Paulo: Fósforo, 2021.
CHITKA, Lars. The mind of a bee. Princeton: Princeton University Press, 2022.
DOMANSKA, Ewa. A história para além do humano. Trad. Taynna Marino e Hugo Merlo. São Paulo: FGV Editora, 2024.
HARAWAY, Donna. A reinvenção da natureza: símios, ciborgues e mulheres. Trad. Rodrigo Tadeu Gonçalves. São Paulo:
Editora WMF Martins Fontes, 2023.
INGOLD, Tim (ed.). What is an animal? Nova York: Routledge, 1988.
KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.
MACIEL, Maria Esther. Animalidades: zooliteratura e os limites do humano. São Paulo: Editora Instante, 2023.
MASSUMI, Brian. O que os animais nos ensinam sobre política. Trad. Francisco Trento & Fernanda Mello. São Paulo: n-1 edições, 2017.
SANTOS, Antônio Bispo dos. A terra dá, a terra quer. São Paulo: Ubu Editora, PISEAGRAMA, 2023.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Metafísicas canibais: elementos para uma antropologia pós-estrutural. São Paulo: Ubu
Editora; n-1 edições, 2018.