Programa

Uma personagem é um ser feito de palavras que se submete ao regime literário em que está inserido. Uma personagem, mais do que espelho de seres reais, pode ser entendida também como um lugar em que os possíveis da experiência humana se manifestam. As personagens foram teorizadas como heróis e figurantes (Enrico Testa), como redondas e planas (E.M. Forster), como funções matemáticas (Ítalo Calvino), valorizadas enquanto tipos (Georg Lukács), ou entendidas psicologicamente (Henry James).
O presente curso parte desses pressupostos teóricos mais conhecidos para investigar a categoria da personagem na fronteira de uma reflexão também sobre o autor e o leitor (ou espectador). Portanto, entendidas sob regimes literários, sobretudo, metalinguísticos, a análise das obras propostas revela questões conceituais inultrapassáveis para se pensar a literatura contemporânea.



Aula 1 - Introdução à teoria dos personagens: vários teóricos modernos e contemporâneos serão discutidos,
destacando a singularidade e o antagonismo de suas posições – um estruturalista, por exemplo, rejeitará a leitura
realista social ou psicológica; uma teoria focada no romance será diferente daquela focada no drama. A ideia é
fornecer a base inicial teórica para um diálogo mais abrangente com as obras que serão analisadas durante o
curso.


Aula 2 - Personagem enquanto personagem; espectador enquanto personagem: há obras que não pensam a
personagem como espelho de figuras reais ou tipos sociais, mas o pensam simplesmente enquanto personagens,
submetidos, não a uma fábula, mas a um regime formal (ou genérico) específico. As obras propostas aqui são
reflexões sobre o gênero dramático, sua crise formal, levada a cabo por uma estrutura que confronta personagem e
autor e personagem e plateia.
 Análise da peça Seis personagens à procura de um autor, de Pirandello.
 Análise da peça Esperando Godot, de Samuel Beckett.


Aula 3 - Fenomenologia da imaginação: as duas obras que serão analisadas em aula retratam como um autor
pensa um personagem, como ele o investiga ou o imagina. Nathaniel Hawthorne, pode-se dizer, convida o leitor e a
leitora a seguirem com ele as etapas de sua imaginação investigativa, para compreender moralmente a
personagem; Virginia Woolf, por sua vez, introduz o leitor no campo de seu pensamento, investigando, não apenas
a personagem, mas o regime perceptivo, imaginativo e estético a que está submetida.
 Análise do conto “Wakefield”, de Nathaniel Hawthorne.
 Estudo do conto “Uma mulher no espelho - uma reflexão”, de Virginia Woolf.


Aula 4 - Conflitos entre autor, personagem e leitor: o romance de caráter autorreflexivo que será analisado
encena na narrativa os embates entre uma escritora-personagem e sua criatura, o que propicia discussões sobre a
figura do herói, a crise autoral e as expectativas do leitor dramatizado no romance.
 Análise do romance Homem lento, de J.M. Coetzee.


Aula 5 - O autor enquanto personagem: análise do romance Tempo Final (2022), de Maylis Besserie, livro
baseado na vida de Samuel Beckett. Esta aula discutirá principalmente as características do personagem Beckett e
o jogo entre biografia e ficção estabelecido por esta obra. Além disso, também pretendemos discutir a apropriação
da linguagem e da temática beckettianas operadas pela escritora, bem como os efeitos da recepção da obra.
 Análise do romance Tempo Final, Maylis Besserie.


Referências bibliográficas
Bibliografia literária:
BECKETT, Samuel. Esperando Godot. Tradução de Fábio de Souza Andrade. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

BESSERIE, Maylis. Tempo Final. Trad. Lívia Bueloni Gonçalves. São Paulo: Editora Nós, 2022.
COETZEE, J.M. Homem lento. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
HAWTHORNE, Nathaniel. “Wakefield”. Tradução de Cristina Serra. In: Contos fantásticos no labirinto de Borges.
São Paulo: Casa da Palavra, 2005.
PIRANDELLO, Luigi. Seis personagens à procura de um autor. Tradução de Brutus Pedreira. São Paulo: Abril
Cultural, 1978.
WOOLF, Virginia. “Uma Mulher no Espelho – Uma Reflexão”. In.: Contos de Assombro. São Paulo: Carambaia,
2019.
Bibliografia teórica:
CANDIDO, Antonio, ROSENFELD, Anatol, PRADO, Décio de Almeida Prado & GOMES, Paulo Emílio Salles. A
Personagem de Ficção. São Paulo: Editora Perspectiva, 1976.
CRUZ, Talita Mochiute. A ficção australiana de J. M. Coetzee: o romance autorreflexivo contemporâneo. 2015.
Dissertação (Mestrado em Teoria Literária e Literatura Comparada) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. doi:10.11606/D.8.2015.tde-10092015-160114. Acesso em:
20 jun. 2021.
FORSTER, E.M. Aspectos do Romance. Tradução de Sergio Alcides. São Paulo: Globo, 2005.
GOLDMAN, Jane. The Cambridge Introduction to Virginia Woolf. Cambridge University Press Cambridge: New
York, Melbourne, Madrid, Cape Town, Singapore, São Paulo, 2006.
GONÇALVES, Lívia Bueloni. Em busca de Companhia: O universo da prosa final de Samuel Beckett. São Paulo:
Humanitas/Fapesp, 2018.
TESTA, Enrico. Heróis e figurantes: o personagem no romance. Tradução de Patricia Peterle. São
Paulo/Florianópolis: Rafael Copetti editor, 2019.
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno (1880-1950). Tradução de Raquel Imanishi Rodrigues. São Paulo: Cosac
Naify, 2011.
TODOROV, T. "Homens narrativa". As estruturas narrativas. São Paulo: Perspectiva, 2003.
VASCONCELLOS, Cláudia Maria de. Samuel Beckett e seus duplos - espelhos, abismos e outras vertigens
literárias. São Paulo: Iluminuras, 2017.
________________. Teatro Inferno: Samuel Beckett. São Paulo: Terracota, 2012.
WOOD, James. “Personagem”. Como funciona a ficção. Tradução de Denise Bottman. São Paulo: Cosac Naify,
2011, p. 93-124.