Partindo da questão “de que forma a poesia feminina resiste?”, o curso pretende discutir a poesia feminina produzida na Itália na segunda metade do século XX até os nossos dias, pensando um percurso teórico-crítico que aborde as questões históricas e sociais, as formas de resistência da poesia feminina e o poema como forma de representação da história e da cultura, fugindo aos estereótipos de gênero que consideram a poesia produzida por mulheres apenas do ponto de vista do amor.
Nessa perspectiva, é objetivo do curso apresentar a poesia feminina de poetas italianas do século XX, analisando-as e propondo um estudo de suas poéticas, considerando o conceito de poesia-resistência, proposto por Bosi (1997, p. 146): a poesia é uma forma de resistir à “falsa ordem, à barbárie, ao caos”, de resistir ao “contínuo harmonioso pelo descontínuo gritante; [a poesia] resiste ao descontínuo gritante pelo contínuo harmonioso. Resiste aferrando-se à memória viva do passado; e resiste imaginando uma nova ordem que se recorta no horizonte da utopia [...] o ser da poesia contradiz o ser dos discursos correntes”.
Pensar a poesia do século XX, o infame século dos extremos, é refletir também sobre as guerras e conflitos, os horrores, os momentos de sofrimento, luto e dor que a geraram. Alfredo Bosi, em seu ensaio Poesia e resistência, (BOSI, 1997, p.158), afirma que os momentos “sofridos e insofridos” da experiência individual, da “práxis” são capazes de gerar poesia: “a recusa irada do presente, com vistas ao futuro, tem criado textos de inquietante força poética”. Walter Benjamin, em suas teses sobre o conceito de história (BENJAMIN, 1994, p.224), nota que “a verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar, como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido”. A imagem poética é, assim, capaz de fixar o passado e a história, é o elemento de transformação social que
a poesia, com sua força de verdade intuitiva, antecipa e produz, em qualquer tempo histórico. A poesia serve como documento da cultura, da transmissão da cultura, e nesse sentido, como nota Benjamim, ela não consegue deixar de refletir os horrores do seu tempo, a barbárie que a gerou. A poesia é também, ainda conforme Bosi (1997, p. 146), uma forma de resistir à “falsa ordem, à barbárie, ao caos”, de resistir ao “contínuo harmonioso pelo descontínuo gritante; [a poesia] resiste ao descontínuo gritante pelo contínuo harmonioso. Resiste aferrando-se à memória viva do passado; e resiste imaginando uma nova ordem que se recorta no horizonte da utopia [...] o ser da poesia contradiz o ser dos discursos correntes”. É pensando nas relações entre poesia, corpo histórico e resistência, que nos interessa discutir as formas em que a poesia feminina elabora os traumas individuais e coletivos e resiste à desagregação e degradação impostas pela história.
Metodologia:
O curso pretende apresentar e discutir a poesia feminina italiana produzida na segunda metade do século XX até a contemporaneidade, refletindo sobre questões históricas e sociais, sobre as formas de resistência da poesia feminina e o poema como forma de representação da história e da cultura. O curso será oferecido remotamente. As aulas serão expositivas, realizadas a partir da leitura e discussão de textos poéticos e de crítica literária. Além dos textos poéticos, serão disponibilizados materiais diversos, como vídeos e áudios sobre as poetas escolhidas e os conteúdos disponibilizados servirão como instrumentos para discussões das temáticas do curso, ampliando o desenvolvimento e a compreensão da poesia feminina.
Cronograma
17 de maio: De que forma a poesia feminina existe (e resiste) na contemporaneidade: a
voz das mulheres na poesia italiana e na poesia brasileira
24 de maio: Sociedade e empenho: As Variações bélicas de Amélia Rosselli
31 de maio: Misticismo e erotismo em Alda Merini e Hilda Hist
7 de junho: O cotidiano irrompe a poesia: Meus poemas não mudarão o mundo de
Patrizia Cavalli e A teus pés, de Ana Cristina César
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